Novo trem na Amazônia ignora 4 ferrovias e pode devastar um estado do Rio

Novo trem na Amazônia ignora 4 ferrovias e pode devastar um estado do Rio
Área desmatada para plantação de soja e criação de gado perto de Sinop (MT), de onde deve sair a Ferrogrão, segundo projeto - Foto: Tiago Queiroz/Estadão Conteúdo

Depois de Lula não descartar a exploração de petróleo na Amazônia pela Petrobras, o governo federal quer tirar do papel a Ferrogrão, uma ferrovia no coração da floresta que pode devastar 49 mil km², área 11% superior a todo estado do Rio.

 

O que é a Ferrogrão?

Ferrovia com 933 quilômetros. Ao custo de até R$ 34 bilhões, a Ferrogrão promete reduzir o preço do transporte ao produtor agrícola ao substituir os caminhões que trafegam pela BR-163 (que fica ao lado) pelo vagões da ferrovia. Com 933 km, a malha ligaria Sinop, em Mato Grosso, a um porto em Miritituba (PA). Da cidade paraense, a carga seguiria de navio para portos da Ásia, África e Europa.

 

Agronegócio criou o projeto. A Ferrogrão foi formulada em 2014 pelas empresas ADM, Bunge, Dreyfus e Amaggi, quatro das maiores tradings (comercializadoras agrícolas) no Brasil. Encampado pela ex-presidente Dilma Rousseff(PT), o projeto ganhou fôlego com Michel Temer (MDB), foi defendido por Jair Bolsonaro (PL) e agora pelo Ministério dos Transportes do governo Lula.

Trens transportarão equivale a 400 caminhões. Cada viagem substituirá o equivalente a 400 caminhões de carga, segundo entidades do setor, o equivalente a 104 toneladas de CO². Inicialmente, a ferrovia conseguiria transportar 19,2 milhões de toneladas, mas a capacidade pode aumentar para 50 milhões após 30 anos.

Frete mais rápido. A troca do Porto de Santos pela região Norte encurta o tempo de viagem dos produtos até os Estados Unidos e União Europeia. Para a Ásia, esse tempo reduziu-se em cerca de 11 dias, diz o setor. A distância percorrida dentro do Brasil por rodovia também caiu: passou de 2.210 km de Sorriso (MT) a Santos, para 1.017 km, entre Sorriso e Miritibura.

 

Por que a Ferrogrão pode ser um problema?

Ferrovia pode desmatar 49 mil km² em 48 cidades, segundo a Universidade Federal de Minas Gerais. A área é 64% superior à devastação recorde da Amazônia em 2022 (17,7 mil km²) e maior que o estado do Rio e países como Eslováquia, Dinamarca e Holanda. Só em Mato Grosso, o desmatamento pode chegar a 2.000 km², área superior à cidade de São Paulo, estimam a PUC-Rio e a ClimatePolicy Initiative.

Essa devastação deve emitir 75 milhões de toneladas de gás carbono, o equivalente a R$ 9,2 bilhões, considerando o preço de US$ 25 (R$ 119,95) a tonelada de carbono.

Ferrovia estimula grilagem e conflitos por terra. O Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental da Ferrogrão — realizado pela EDLP (Estação da Luz Participações) a pedido das tradings —, reconhece que o projeto fica no Arco de Desmatamento da Amazônia, uma região de expansão da fronteira agrícola marcada por conflitos fundiários.

A região conta com 102 assentamentos de reforma agrária e 16 terras indígenas que não foram consultadas sobre a obra durante a fase de planejamento, como manda a Organização Internacional do Trabalho.

 

Custo da ferrovia subestimado. O projeto prevê R$ 8,4 bilhões para colocar a Ferrogrão em operação, menos de um quarto do que calcula Cláudio Frischtak, ex-economista do Banco Mundial e especialista em infraestrutura. Como base na construção em andamento de outras duas ferrovias no Brasil, ele estima despesas de R$ 34,3 bilhões e 21 anos para conclusão da Ferrogrão, mais do que os nove anos estimados pelos defensores do projeto.

Procurada, a EDLP afirma que o projeto "atendeu todas as exigências estabelecidas" pelo Ministério dos Transportes, incluindo os "requisitos ambientais e às comunidades indígenas". Afirmou que os custos e tempo de obra ficarão abaixo das estimativas de Frischtak porque "será implantada em outro contexto local e por meio de capital privado", com "maior velocidade e eficiência”.

Os especialistas afirmam que ferrovias em atividade e outras em fase de construção terão capacidade para transportar a produção agrícola do Centro-Oeste sem a necessidade da Ferrogrão. São elas:

1) Ferrovia Norte-Sul: Em funcionamento, interliga as principais malhas ferroviárias das cinco regiões do Brasil, possibilitando a conexão entre as linhas que dão acesso aos principais portos e regiões produtoras do país.
2) Fiol (Ferrovia de Integração Oeste-Leste no Estado da Bahia): Prevista para entrar em operação em 2026, ligará Ilhéus, na Bahia, a Figueirópolis, no Tocantins, onde fará conexão com a Ferrovia Norte-Sul, dando acesso ao Centro-Oeste pela Fico (Ferrovia De Integração Centro-Oeste).
3) Vai levar a produção agrícola do Centro-Oeste à Ferrovia Norte-Sul, permitindo o escoamento até o Maranhão --pela conexão com a Estrada de Ferro Carajás-- e Santos, por meio da Rumo Malha Paulista. Também poderá escoar sua produção por Ilhéus, na Bahia, pela conexão com a Fiol também a partir da Ferrovia Norte-Sul, na altura de Goiás. O primeiro trecho será inaugurado em 2024, com outras duas extensões sem previsão de entrega.
4) Ferronorte (Rumo): Ela já liga o Centro-Oeste ao Porto de Santos pela Rumo Malha Paulista, que também conecta ao Norte e Nordeste pela Ferrovia Norte-Sul. Com trechos inaugurados em 1998 e 2012, tem extensões adicionais em fase de estudo.

Autor: Uol

Link: https://noticias.uol.com.br/meio-ambiente/ultimas-noticias/redacao/2023/07/03/ferrograo-amazonia-ferrovia.htm